Last updated: Oct. 3, 1997
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Turandot

by Giacomo Puccini

(in Portuguese)

Note: This text was submitted by "Bruno" (bbzzcchi@telemig.gov.br), who gave the following information: "It was translated by 'Mr. Souza'. [...] Mr. Souza is an unknown person that used to buy records and translate the librettos to portuguese typing at an old typewriter, and he may have died and his family sent all his records. I bought two, and there was the libretto translated."


                         Turandot
                             
                      Ópera em 3 Atos
                             
                 Música de GIACOMO PUCCINI
                             
         Libreto de Giuseppe Adami e Renato Simoni
                             
último dueto e finale da ópera concluídos por Franco Alfano
                             
         Baseado no drama homônimo de Carlo Gozzi
                             
    Estreada no La Scala, Milão, em 25 de abril de 1926



Elenco
Princesa Turandot ........................... soprano
Liù, jovem escrava .......................... soprano
Timur, o Rei Tártaro destronado ............. baixo
Calaf, seu filho (O Príncipe Desconhecido) .. tenor
Imperador Altoum ............................ tenor
Ping, o Grande Chanceler .................... barítono
Pang, o Provedor Geral ...................... tenor
Pong, o Cozinheiro Chefe .................... tenor
Um Mandarim ................................. baixo
Príncipe da Pérsia .......................... barítono
Aias de Turandot ............................ sopranos





ATO I

As Muralhas da Cidade Imperial

Maciços bastiões se estendem por quase todo o comprimento
do palco. Um enorme gongo de bronze pende de um pórtico
esculpido. Estacas encimadas pelas cabeças decepadas de
homens foram erguidas nos bastiões. É crepúsculo. Uma
pitoresca multidão chinesa enche a cena. Um MANDARIM lê
uma proclamação.


MANDARIM
Povo de Pequim!
A lei é esta: Turandot a Pura
Esposa será de quem,
de sangue real,
Decifrar os três enigmas
que ela proporá.
Mas quem enfrenta a prova
E vencido fique
Entregará ao machado a soberba
cabeça!

A MULTIDÃO
Ah! Ah!

MANDARIM
O Príncipe da Pérsia
Adversa teve a sorte:
Ao surgir da lua,
Pela mão do carrasco morrerá!

A MULTIDÃO
Morrerá! Sim, morrerá!
Nós queremos o verdugo!
Rápido, rápido! Morrerá! Morrerá!
Ao suplício! Morrerá! Morrerá!
Rápido, rápido, morrerá!
Se não apareces, nós te despertaremos!
Pu-Tin-Pao, Pu-Tin-Pao!
Ao Palácio! Ao Palácio! Ao Palácio!

GUARDAS
Afastem-se, cães! Afastem-se, cães!

A MULTIDÃO
Oh! cruéis!...
...Pelos céus, parem!
(Algumas das mulheres)
Nossa mãe!

GUARDAS
Afastem-se, cães!

A MULTIDÃO
(Mulheres)
Ai! Minhas crianças!
Cruéis! Oh, minha nossa!
Oh, minha nossa!
(Homens)
Cruéis! Pelos céus, parem!
Parem! Parem!

GUARDAS
Afastem-se, cães!

LIÙ
O meu velho caiu!

A MULTIDÃO
Cruéis! Sejam humanos!
Pelos céus, parem! Cruéis!
Não nos façam mal!

GUARDAS
Afastem-se, cães!

LIÙ
Quem me ajuda,
Quem me ajuda a levantá-lo?
O meu velho está caído...
Piedade! Piedade!

CALAF
Pai! Meu pai!

GUARDAS
Afastem-se!

CALAF
Ó pai, sim, te reencontro!

A MULTIDÃO
Cruéis!

CALAF
Olha-me! Não é sonho!

A MULTIDÃO
Porque nos bateis? Pobre de nós! Piedade!

LIÙ
Meu senhor!

CALAF
Pai! Escuta-me! Pai! Sou eu!
E abençoada seja...E abençoada seja
A dor por esta alegria que nos dá
Um Deus piedoso!

TIMUR
Ó meu filho! Tu! Vivo!

CALAF
Silêncio! Quem usurpou a tua corôa
Me procura e te persegue.
Não tem asilo para nós, pai, no mundo!

TIMUR
Tenho te procurado, meu filho,
E te acreditei morto!

CALAF
Tenho te chorado, pai...
E beijo esta mão santa.

TIMUR
Ó filho reencontrado!

A MULTIDÃO
Eis os ajudantes do carrasco.
Morra! Morra! Morra! Morra!

TIMUR
Perdida a batalha, velho Rei sem reino
e fugitivo. Uma voz
Ouvi que me dizia:
"Vem comigo, serei tua guia..."
Era Liù.

CALAF
Seja abençoada!

TIMUR
E eu caído cansado,
Ela me enxugava o pranto,
E mendigava para mim.

CALAF
Liù...quem és?
LIÙ
Nada sou...uma escrava,
Meu senhor...

CALAF
E porque tanta angústia tem dividido?

LIÙ
Porque um dia...
No palácio me sorriu.
A MULTIDAO
Gira a pedra, gira, gira!
Gira, gira, gira!

AJUDANTES DO CARRASCO
Unte, afie, que a lâmina
Brilhe, lampeje fogo e sangue.
O trabalho nunca diminui,
Nunca diminui...

A MULTIDÃO
...nunca diminui...

AJUDANTES DO CARRASCO
...onde reina Turandot.

A MULTIDÃO
...onde reina Turandot.

AJUDANTES DO CARRASCO
Unte! Afie!
Fogo e sangue!

HOMENS
Fogo e sangue!

MULHERES
Doces amantes, avante, avante!

HOMENS
Ó doces amantes, avante, avante!

MULHERES
Doces amantes...
...avante, avante!

AJUDANTES DO CARRASCO
Com os ganchos e com os cutelos...

HOMENS
Nós estamos prontos a recamar a vossa pele!

A MULTIDÃO
Doces amantes, avante, avante!

AJUDANTES DO CARRASCO
...estamos prontos a recamar!

A MULTIDÃO
Quem aquele gongo percutir
A verá aparecer...

AJUDANTES DO CARRASCO E HOMENS
...a verá aparecer
Branca como a geada...

TODOS
Fria como a espada é a bela Turandot!

MULHERES
Doces amantes,
avante, avante!

AJUDANTES DO CARRASCO
Avante, avante!

A MULTIDÃO
Quando se afana o gongo
alegra-se o carrasco!
Em vão o amor se não se tem sorte.

AJUDANTES DO CARRASCO
Quando se afana o gongo alegra-se
o carrasco...Unte, afie!

A MULTIDÃO
(Mulheres)
Os enigmas são três, a morte é uma!
A morte é uma! Unte, afie!
(Homens)
Gira, gira! Unte, afie!

AJUDANTES DO CARRASCO
Quando se afana, etc.

A MULTIDÃO
Os enigmas, etc.

AJUDANTES DO CARRASCO
Doces amantes, etc.

A MULTIDÃO
Os enigmas, etc.
Etc, etc

TODOS
...onde reina Turandot!...Ah!

A MULTIDÃO
(Mulheres)
Porque demora a lua?
(Homens)
Face pálida!
(Mulheres)
Mostra-te no céu!
(Homens)
Rápido, venha!
(Mulheres)
Desponte!
(Homens)
Ó cabeça cortada!
Ó palidêz!
Venha!
(Mulheres)
Desponte!
(Homens)
Mostra-te no céu!
(Mulheres)
Ó cabeça cortada! Ó exangue
(Homens)
Ó exangue, Ó palidez! Ó taciturna!
(Mulheres)
Ó amante extremada da morte!
(Homens)
Ó taciturna, mostra-te no céu!
(Mulheres)
Como esperam... o teu fúnebre clarão os cemitérios!
Ó exangue! Ó palidêz!
(Homens)
Ó cabeça cortada!
(Mulheres)
Eis lá distante um pequeno clarão!
Venha, rápido, desponte!
(Homens)
Ó cabeça cortada, desponte!
(Mulheres)
Venha!
(Homens)
Ó cabeça cortada, venha!
(Mulheres)
Mostra-te Ó face pálida!
(Homens)
Ó face pálida!
(Mulheres)
Ó exangue, pálida!
(Homens)
Venha, Ó amante descorada dos mortos!
(Mulheres)
Ó amante... descorada dos mortos!
(Homens)
Venha, venha, desponte!

TODOS
Eis distante um pequeno clarão...
Espalha-se no céu...
A sua luz desbotada!
Pu-Tin-Pao! A lua surgiu!
Pun-Tin-Pao, etc.

MENINOS
Lá sobre os montes do oriente
A cegonha cantou.
Mas o abril não refloria,
Mas a neve não degelou.
Do deserto ao mar não ouves tu mil vozes a suspirar:
"Princesa, desça a mim! Tudo florescerá, tudo
resplandecerá! Ah!"

(Os ajudantes do carrasco, Mandarins e Dignatários
avançam seguidos pelo Príncipe da Pérsia. É um homem
bonito, mais parece um menino, e está pálido, de modo que
a fúria da multidão se transforma em piedade.)

A MULTIDÃO
(Mulheres)
Que jovenzinho! Graça, graça!
(Homens)
Como é firme o seu passo!
(Mulheres)
Graça!
(Homens)
Como é meigo, como é meigo o seu rosto!
...Tem nos olhos a nobreza! Piedade!
(Mulheres)
Como é firme o seu passo!
(Homens e mulheres)
Tem nos olhos a alegria!
Piedade! Piedade!

CALAF
Ah! A graça!

MULHERES
Piedade dele!

HOMENS
Princesa!

MULHERES
Piedade!...dele!

HOMENS E MULHERES
Piedade!

HOMENS
Princesa! Graça! Graça!
Piedade dele! Piedade!

A MULTIDÃO
Piedade! Piedade!

CALAF
Que eu te veja
E que eu te maldiga!
Cruel, que eu te maldiga!

A MULTIDÃO
Princesa!

HOMENS
Piedade dele!
A MULTIDÃO
Princesa!

HOMENS
Princesa, piedade!

A MULTIDÃO
Princesa!

HOMENS
Piedade dele! Piedade dele!

A MULTIDÃO
Piedade! Piedade! etc.
A graça, Princesa! etc.
Princesa! A graça! A graça!

(Turandot aparece na galeria imperial; a multidão cai
prostrada. Apenas ficam de pé o Príncipe da Pérsia, o
carrasco e Calaf.)

CALAF
(deslumbrado pela sua beleza)
Ó divina beleza! Ó maravilha!
Ó sonho! etc.

(Turandot faz um gesto imperioso; é a sentença de morte.
O Príncipe da Pérsia, o carrasco e o cortejo acompanhante
se movem. Turandot se retira.)

SACERDOTES
(vestidos de branco no cortejo)
Ó grande Koung-Tzé!
Que o espírito do morrente
Chegue até ti!

(Suas vozes lentamente se perdem na distância. Timur, Liù
e Calaf ficam sós.)

TIMUR
Filho, que faz?

CALAF
Não percebes? O seu perfume está
No ar! Está na alma!

TIMUR
Te perdes!

CALAF
Ó divina beleza, Ó maravilha!
Eu sofro, pai, sofro!

TIMUR
Não, não! Chega-te a mim.
Liù, fala-lhe tu!
Aqui salvação não tem!
Tome na sua mão a mão dela!

LIÙ
(a Calaf)
Senhor, vamos para longe!

TIMUR
A vida está distante!

CALAF
Eu sofro, pai, sofro!

TIMUR
A vida está distante!

CALAF
Eu sofro, pai, sofro!

TIMUR
Aqui salvação não tem!

CALAF
A vida, pai, está aqui!
(correndo para o gongo)
Turandot! Turandot! Turandot!

VOZ DO PRÍNCIPE DA PÉRSIA
Turandot!

A MULTIDÃO
Ah!

TIMUR
(Insistindo com o filho)
Quer morrer assim?

CALAF
Vencer, pai, pela sua beleza!

TIMUR
Quer acabar assim?

CALAF
Vencer gloriosamente
Pela sua beleza!

(Novamente corre para o gongo. Ping, Pong e Pang, os
ministros do imperador, aparecem subtamente e lhe barram
o caminho.)

PING, PONG, PANG
Pare! Que faz! Detém-te!
Quem és, que faz,
Que quer? Vá embora!
Vá, a porta é esta
Do grande açougue!
Louco, vai embora!

PING
Aqui se enforca!

PONG E PANG
Se fura!

PING
Se degola!

PONG E PANG
Se péla!

PING
Se engancha e esquarteja!

PONG E PANG
Vá embora!

PING
Se serra e se destripa!

PONG E PANG
Vá embora!

PING
Solicito, precipitas...

PONG E PANG
Vá embora!

PING,  PONG E PANG
...ao teu país volta...

PING
...à procura de uma extirpe...

PONG E PANG
Que quer, quem és?

PING
...para romper-te os chifres!

PONG E PANG
Vai embora! Vai embora!

PING, PONG E PANG
Mas aqui não!
Louco, vai embora, vai embora!

CALAF
Deixem-me passar!

PONG
Aqui todos os cemitérios estão ocupados!

PANG
Aqui bastam os loucos nativos!

PING
Não queremos mais loucos forasteiros!

PONG E PANG
Ou o laço, ou o enterro
Para ti se prepara!

CALAF
Deixem-me passar!

PONG E PANG
Por uma princesa!

PONG
Puxa!

PANG
Puxa!

PONG
Que coisa é?

PANG
Uma mulher com corôa na cabeça...

PONG
...e o manto com galões!

PING
Mas se a desnuda...

PONG
É carne!

PANG
É carne crua!

PING
É coisa...

PING, PONG, PANG
...que não se come!

CALAF
Deixem-me passar...

PING, PONG, PANG
Ah, ah, ah! Ah, ah, ah!

CALAF
...deixem-me!

PING
Deixe a mulher!
Ou tome cem esposas,
Que, no fundo, a mais sublime
Turandot do mundo
Tem uma face, dois braços,
E duas pernas, sim, bela, imperial,
Sim, sim, bela, sim, mas sempre ela!
Com cem esposas, Ó tolo,
Terás pernas em abundância,
Duzentos braços,
E cem meigos peitos.

PONG E PANG
Cem peitos...

PING
...Espalhados por cem leitos...

PING, PONG, PANG
Ah, ah, ah! Ah, ah, ah!

CALAF
Deixem-me passar!

PING, PANG, PONG
Louco, vá embora, vá embora!
(Um grupo de moças aparece na galeria imperial)

DAMAS DE TURANDOT
Silêncio, olá! Aí quem fala?

PRIMEIRA DAMA
Silêncio!

SEGUNDA DAMA
Silêncio!

AMBAS
É hora suavíssima do...
... sono.

OUTRAS DAMAS
Silêncio, silêncio, silêncio!

PRIMEIRA DAMA
O sono...
chega...

OUTRAS DAMAS
O sono chega...

SEGUNDA DAMA
Fecha os olhos...

OUTRAS DAMAS
De Turandot.

PRIMEIRA E SEGUNDA DAMAS
Se perfuma dela a escuridão!

OUTRAS DAMAS
Se perfuma dela a escuridão!

PING
Saiam daí, mulheres tagarelas!

PANG
Saiam daí!

PONG
Saiam daí!

PING
Saiam daí!
(As damas se retiram)

PING, PONG, PANG
Atenção ao gongo! Atenção ao gongo!

CALAF
Se perfuma dela a escuridão!

PANG
Olhe-o Pong!

PONG
Olhe-o Ping!

PING
Olhe-o Pang!

PANG
Está surdo!

PONG
Aturdido!

PING
Alucinado!

TIMUR
Não os escuta, pobre de mim!

PING, PONG, PANG
Vamos! Falemos-lhe os três!

PANG
Noite sem luz...

PONG
...Garganta negra de um caminho...

PING
...São mais claras que os enigmas de Turandot.

PANG
Ferro, bronze, muro, rocha...

PONG
...A obstinada tua cabeça...

PING
...São menos duros que os enigmas de Turandot.

PANG
Então vá, saúda a todos!

PONG
Atravessa os montes, corta as ondas!

PING
Fique longe ds enigmas de Turandot.
Ha, ha!

PANG
He, he!

PONG
Ha, ha!

PING, PONG, PANG
Ha, ha!

(Os fantasmas de antigos pretendentes, que morreram por
amor a Turandot, aparecem nas muralhas.)

FANTASMAS
Não demores!
Se chamas, aparece aquela
Que os extintos
Faz sonhar.
Faça que ela fale!
Faça que a ouçamos!
Eu te amo! Eu te amo! Eu te amo!

CALAF
Não, não, eu só a amo!

PING, PONG, PANG
A amas? Que coisa? Quem?
Turandot? Ah, ah, ah!
Turandot! Ah, ah!

PONG
Ó moço demente!

PANG
Turandot não existe!

PING
Não existe senão o nada
No qual te anulas!

PONG, PANG
Turandot não existe, não existe...

PING
Turandot! Como todos
Aqueles imbecis, teus iguais!
O homem! O Deus! Eu! O povo!
...Os soberanos! ...Pu-Tin-Pao!...

PANG
Tu te anulas como aqueles imbecis...

PONG
Como todos...

PING
Pu-Tin-Pao! Não existe senão o Tao!

PANG
...Como aqueles imbecis teus iguais
Tu te anulas!

PONG
...Como aqueles imbecis teus iguais, não Existe...
...Senão o Tao!

CALAF
A mim o triunfo!
A mim o amor!
(Surge o carrasco, carregando a cabeça decepada do
Príncipe da Pérsia)

PING, PONG, PANG
Tolo, eis o amor!
Assim a lua beijará o teu rosto!

TIMUR
Ó filho, quer então que eu só
Que eu só arraste pelo mundo
A minha torturada velhice?
Socorro! Não há voz humana
Que mova o teu coração feroz?

LIÙ
Senhor, escute!
Ah, senhor, escute!
Liù não suporta mais,
O seu coração se despedaça!
Pobre de mim, pobre de mim, quanto
Caminhar
Com o teu nome na alma,
Com o teu nome sobre os lábios!
Mas se o teu destino,
Amanhã estiver decidido,
Nós morreremos sobre a estrada do exílio.
Ele perderá seu filho ...
Eu a sombra de um sorriso.
Liù não suporta mais!
Ah, piedade!

CALAF
Não chores, Liù!
Se em um distante dia
Eu te sorri,
Por aquele sorriso,
Minha meiga jovem,
Me ouça: o teu senhor
Estará amanhã, talvez, só no mundo...
Não o deixes,
Leva-o contigo!

LIÙ
Nós morreremos sobre a estrada do
Exílio!

TIMUR
Nós morreremos!

CALAF
Do exílio amenizai
A ele a estrada!
Isto... isto, Ó minha pobre Liù,
Ao teu pequeno coração que não cai
Pede aquele que não sorri mais...
Que não sorri mais.

TIMUR
Ah! Pela última vez!...

LIÙ
Vence o fascínio horrível!

PING, PONG, PANG
A vida é tão bela!

TIMUR
...Tenha piedade de mim!

LIÙ
Tenha piedade de Liù!

PING, PONG, PANG
A vida é tão bela!

TIMUR
Tenha de mim, de...
Piedade, piedade!

LIÙ
Senhor, piedade!
Tenha piedade de Liù!

PING, PONG, PANG
Não te percas assim!

CALAF
Sou eu que peço piedade!
Ninguém mais escuto...

LIÙ
Senhor, piedade!
Piedade de Liù!

TIMUR
Não posso separar-me de ti!

PING
Agarre-o...

PING, PONG, PANG
Levem-no embora!

CALAF
...Ninguém mais escuto!

PING
Detenham aquele louco furioso...
Levem-no embora!

PONG, PANG
Vamos, tirem daqui este louco!

LIÙ
Piedade!

CALAF
Eu vejo o seu rosto fulgidio!
Eu a vejo!

TIMUR
Não posso separar-me de ti!
Piedade!

PING, PONG, PANG
Vamos, tirem daqui este louco!

CALAF
Me chama! Ela está lá!

TIMUR
Piedade! Me jogo aos teus pés gemendo!

PING, PONG, PANG
Vamos, tirem daqui este louco!

LIÙ
Piedade!

CALAF
O teu perdão pede aquele...

LIÙ
Senhor, piedade, piedade!

TIMUR
Tenha piedade! Tenha piedade!

PING, PONG, PANG
Louco tu és! Louco tu és!

CALAF
...que não sorri mais!

LIÙ
Piedade, senhor!

TIMUR
Não queira a minha morte!

PING, PONG, PANG
A vida é bela!

PING
Vamos, um último esforço,
Levemo-lo embora!

PING, PONG, PANG
Levemo-lo embora! Levemo-lo embora!

CALAF
Deixem-me...
...Muito tenho sofrido!

TIMUR
Tu passas sobre um pobre coração...

PING, PONG, PANG
O rosto que vês é ilusão!

CALAF
Lá a glória me espera!

TIMUR
...que sangra em vão por ti!

PING, PONG, PANG
A luz que resplandece é funesta!

CALAF
Não há força humana que me detenha!

LIÙ
Piedade!

TIMUR
Ninguém jamais venceu, ninguém!

PING
Tu jogas a tua perdição!

PONG, PANG
É ilusão funesta!

CALAF
Eu sigo a minha sorte!

LIÙ
Piedade de nós!

TIMUR
Sobre todos a espada caiu!

PING, PONG, PANG
Tu jogas a cabeça!

CALAF
Sou todo uma febre, sou todo um delírio!

LIÙ
Se esta tortura não basta, senhor...

PING, PONG, PANG
A morte é a sombra do carrasco...

A MULTIDÃO
A fossa já cavam para ti...

CALAF
Cada juízo é um martírio feroz!

LIÙ
...nós estamos perdidos! Contigo!

PING, PONG, PANG
...é a sombra do carrasco

A MULTIDÃO
...que quer desafiar o amor!

LIÙ
Ah! Fujamos...

TIMUR
Me jogo aos teus pés!

PING, PONG, PANG
Tu corres...

A MULTIDÃO
Na escuridão...

CALAF
Cada fibra da alma tem uma voz que grita:...

LIÙ
...Senhor, ah, fujamos!

TIMUR
Não queira a minha morte!

PING, PONG, PANG
...para a ruína! Não jogues a vida!

A MULTIDÃO
...está marcado, pobre de mim, o teu destino!

CALAF
...Turandot!

LIÙ, TIMUR, PING, PONG, PANG
A morte!

A MULTIDÃO
Ah!

CALAF
Turandot!

LIÙ, TIMUR, PING, PONG, PANG
A morte!

A MULTIDÃO
Ah!

CALAF
Turandot!

LIÙ, TIMUR, PING, PONG, PANG
A morte!

A MULTIDÃO
Ah!

(Calaf martela o gongo três vezes)

PING, PONG, PANG
E deixemo-lo ir! Inútil é gritar...

A MULTIDÃO
A fossa já cavam para ti...

PING, PONG, PANG
...em sanscrito, em chinêz, em língua mongólica!
Quando percute o gongo a morte alegra-se!

A MULTIDÃO
...que quer desafiar o amor!

PING, PONG, PANG
Ah, ah, ah, ah!
Fim do Primeiro Ato



ATO II

Cena 1 - Um pavilhão formado por vasta cortina decorada
com figuras simbólicas chinesas.

PING
Olá, Pang! Olá, Pong!
Já que o funesto gongo
Desperta o palácio e desperta a cidade,
Estejamos prontos para todos os eventos:
Se o extrangeiro vence, para a bôda,
Se ele perde, para o sepultamento.

PONG
Eu preparo a bôda...

PANG
E eu a exequia...

PONG
As vermelhas lanternas de festa...

PANG
As brancas lanternas de luto..

PONG
O incenso e o oferecimento...

PANG
Os incensos e os oferecimentos...

PONG
Moedas de papel dourado...

PANG
Chá, açúcar, nóz moscada!...

PONG
O belo palanquinho escarlate!...

PANG
O caixão, grande, bem feito...

PONG
Os Bonzos que gemem...

PONG E PANG
E tudo quanto precisar,
Segundo quer o rito...

PANG
Minucioso...
PONG
Minucioso...

PONG, PANG
Infinito!

PING
Ó China, Ó China,
Que agora estremece e assombra
Inquieta,
Como dormias alegre
Garbosa dos teus setenta mil séculos!

PING, PONG, PANG
Tudo andava segundo
A antiquíssima regra do mundo.
E depois nasce...
Turandot!

PING
E são anos que a nossa festa
Se reduz a alegria com esta: ...

PONG
Três batidas de gongo...

PANG
Três adivinhações...

PING
E caem cabeças!

PONG
E caem cabeças!

PING
E caem cabeças!

PANG
O ano do rato foram seis.

PONG
O ano do cão foram oito.

PANG
No ano em curso, o terrível ...

PING
No ano em curso, o terrível ano
Do Tigre ...

PONG
... o terrível ano do Tigre estamos já ...

PANG
... ano do Tigre, estamos já ...

PING
... estamos já ...

PONG, PANG
... estamos já ao ...

PING
... ao trigésimo ...

PONG, PANG
... ao trigésimo,
Com este que vai abaixo!

PING
Que  trabalho!

PANG
Que trabalho!

PONG
Que aborrecimento!

PING
Que  trabalho!

PANG
Que trabalho!

PONG
Que aborrecimento!

PING, PONG, PANG
A que estamos reduzidos ?
Somos os ministros do carrasco!
Ministros do carrasco!

PING
Tenho uma casa em Honan
Com o seu laguinho azul,
Todo cercado de bambu.
E estou aqui a dissipar a minha vida,
A cansar o cérebro em cima de livros
Sagrados ...

PONG, PANG
... sobre livros sagrados!

PING
... sobre livros sagrados!
E poderia voltar lá ...

PANG
Voltar lá!

PONG
Voltar lá!

PING
... para perto do meu laguinho azul ...

PANG
Voltar lá!

PONG
Voltar lá!

PING
... todo cercado de bambu!

PONG
Tenho florestas, perto de Tsiang ...
... que mais belas não existem ...

PANG
Tenho um jardim, perto de Kiù,
que deixei ...

PONG
... que não tem sombra para mim.

PANG
... para vir aqui ...

PING
... e poderei voltar lá ...

PONG
Tenho florestas ...

PANG
... e que não reverei ...

PING
... para perto do meu laguinho azul!

PONG
... que mais belas não existem!
PANG
... não reverei mais, nunca mais!

PING
Todo cercado de bambu!
E estamos aqui ...

PONG
Estamos aqui!

PANG
Estamos aqui!

PING
... a cansarmos o cérebro ...

PING, PONG, PANG
... sobre livros sacros!

PONG
E poderia voltar a Tsiang ...

PING
E poderia voltar lá ...

PANG
E poderia voltar a Kiù!

PING
... a gozar do meu lago azul!

PONG
Tsiang!

PANG
Kiù!

PING
Honan ...
... todo cercado de bambu!

PONG
E poderia voltar a Tsiang!

PANG
E poderia voltar a Kiù!

PING
O mundo ...

PONG
O mundo ...

PANG
O mundo ...

PING, PONG, PANG
... cheio de loucos enamorados!

PONG
Temos ...

PANG
Temos ...

PONG, PANG
... temos visto chegarem enamorados aspirantes!

PING
Ó quantos!

PONG
Ó quantos!

PING
Temos visto, etc.

PANG
Ó quantos, quantos!

PONG
Ó quantos!

PING
Ó mundo cheio de loucos enamorados!
Recordais o príncipe
Real de Samarcanda ?
Fez a sua pergunta,
E ela com tal alegria
lhe mandou ao carrasco!

A MULTIDÃO
(nos bastidores)
Unte, afie,
Que a lâmina brilhe e lampeje ...

PING
O carrasco!

A MULTIDÃO
... que a lâmina brilhe e lampeje ...
... fogo e sangue!

PONG
E o indiano cheio de jóias Sagarika ...
... com as orelhas como campainhas ?
Amor quis, foi decapitado!

PANG
E o Birmano ?

PONG
E o príncipe do Kirghisi ?

PONG, PANG
Morto! Morto! Morto! Morto!

PING
E o Tártaro do arco de seis cúbitos ...

A MULTIDÃO
(nos bastidores)
Unte, afie ...
... que a lâmina brilhe e lampeje ...

PING
... de ricas peles vestido ?

A MULTIDÃO
Onde reina Turandot ... o trabalho ...

PONG
Extinto!

PANG
Extinto!

A MULTIDÃO
... não diminui!

PING
E decapita!

PANG
Mata ... extingue! Mata! Extingue!
Assassina!

PING
Mata! Mata! Mata! Assassina!

PONG
Assassina! Assassina! Assassina!

A MULTIDÃO
Unte, amole, que a lâmina brilhe de
sangue!

PING, PONG, PANG
Adeus, amor, adeus, raça!
Adeus, extirpe divina!
Adeus, etc.
E acaba a China!
Adeus, etc.

PING
Ó tigre! Ó tigre!

PING, PONG
Ó grande marechal do céu ...

PING, PONG, PANG
... faça que chegue a grande noite
Esperada A noite da redenção!

PING
O tálamo quero preparar!

PONG
Afofarei para ela as leves plumas.

PANG
Eu a alcova quero perfumar.

PING
Guiarei os esposos levando a luz.

PING, PONG, PANG
Depois todos os três no jardim
Cantaremos ...

PONG
... do amor até a manhã ...

PING
... assim:

PANG
... assim:

PING, PONG, PANG
Não há na China para nossa sorte
Mulher que renegue ao amor!
Uma só nós tínhamos e esta uma
Que foi gelo,
Agora é chama e ardor!
Princesa, o teu império se extende
Do Tse-Kiang ao imenso Jang-tsé!

PING
(PONG e PANG murmuram um acompanhamento)
Mas lá dentro, da estofada tenda,
Está um esposo que impera sobre ti!

PING, PONG, PANG
Tu dos beijos já sente o aroma,
Já és domada, é toda langor!

PONG, PANG
Glória à noite secreta
Que o prodígio agora vê cumprir!

PING, PANG
Glória, glória à noite secreta!

PONG
À cama coberta de seda ...
... testemunhas dos doces suspiros!

PING, PONG, PANG
No jardim sussurram as coisas
E retinem sinos de ouro ...
Se suspiram palavras amorosas ...

PING
... de orvalho se impreguinam as flores!

PING, PONG, PANG
Glória, glória ao belo corpo descingido
Que o mistério ignorado agora se sabe!
Glória à embriaguez e ao amor que Venceu
E à paz que novamente deu à China,
À paz que novamente deu à China,
À paz novamente!

(O ruído das pessoas andando dentro do palácio tráz os
três ministros de volta à triste realidade.)

PING
Nós sonhamos e o palácio já formiga
De lanternas, de criados e de soldados.
Ouve-se o grande tambor
Do templo verde!
Já estridam os infinitos
Chinelos de Pequim.

PONG
Ouvi a trombeta! Outro quer paz!

PANG
Tem início a cerimônia.

PING, PONG, PANG
Vamos apreciar o enésimo suplício!


Cena 2 - Uma enorme praça diante do Palácio.
No centro, enorme escadaria de mármore com três amplos
patamares. Criados colocam lanternas.

A MULTIDÃO
Graves, enormes e imponentes
Com o mistério dos enigmas fechados
Já se avançam os sábios,
Com o mistério dos enigmas fechados
Já se avançam os sábios.
Eis Ping! Eis Pong! Eis Pang!

A MULTIDÃO
Dez mil anos ao nosso Imperador!
Glória a ti!

IMPERADOR
Um juramento atroz me  constrange
A dar fé ao tenebroso pacto.
E o santo cetro que eu seguro
Goteja de sangue.
Basta de sangue! Jovem, vai!

CALAF
Filho do céu, eu quero enfrentar a prova!

IMPERADOR
Faça que eu possa morrer sem levar
O peso da tua jovem vida!
CALAF
Filho do céu, eu quero enfrentar a prova!

IMPERADOR
Não queira, não queira que se encha
Ainda de horror o reino, o mundo.

CALAF
Filho do céu, eu quero enfrentar a prova!

IMPERADOR
Extrangeiro, ébrio de morte! Assim seja!
Se cumpra o teu destino!
(Aparecem em fila, na escada, as aias de Turandot.)

A MULTIDÃO
Dez mil anos ao nosso Imperador!
(O mandarim avança com o decreto.)

MANDARIM
Povo de Pequim!
A lei é esta: Turandot a Pura
Esposa será de quem,
de sangue real,
Decifrar os três enigmas
que ela proporá.
Mas quem enfrenta a prova
E vencido fique
Entregará ao machado a soberba
cabeça!

MENINOS
(nos bastidores)
Do deserto ao mar não ouve
Mil vozes a suspirar:
Princesa, desça a mim!
Tudo resplandescerá, resplandescerá,
Resplandescerá!

(Turandot avança para o trono. É muito bela e está
vestida de ouro. Olha friamente para o PRÍNCIPE.)

TURANDOT
Neste Reino, há milhares e milhares de
Anos, um grito desesperado ressoou.
E aquele grito atravessou gerações e
Gerações e aqui na minha alma
Se refugiou!
A princesa Lo-u-Ling,
Antepassada meiga e serena que reinava
No seu profundo silêncio em
Alegria pura,
E desfiando inflexível e segura
O escabroso domínio,
Hoje revive em mim!

A MULTIDÃO
Foi quando o Rei dos Tártaros
As suas sete bandeiras desfraldou.

TURANDOT
Entretanto no tempo que cada um
Recorda,
Foi turbação e terror e estrondo de Armas.
O reino foi vencido! O reino foi vencido!
E Lo-u-Ling, a minha antepassada foi
Arrastada por um homem como tu,
Como tu extrangeiro, lá na noite atroz
Onde se extinguiu sua fresca voz!

A MULTIDÃO
Há séculos ela dorme
Na sua enorme tomba.

TURANDOT
Ó Príncipes, que trazem caravanas
De toda parte do mundo,
Que aqui vêem a jogar a vossa sorte,
Eu vingo sobre vós, sobre vós
Aquela pureza, aquele grito e aquela
Morte!
Aquele grito e aquela morte!
Nunca me terás!
Nunca ninguém me possuirá!
O horror de quem a matou está vivo
No meu coração.
Não, não! Nunca ninguém me terá!
Ah, renasce em mim o orgulho
De tanta pureza!
Extrangeiro! Não tente a sorte!
Os enigmas são três, a morte uma!

CALAF
Não, não! Os enigmas são três,
Uma a vida!

TURANDOT
Não, não! ...
Os enigmas são três, a morte uma!

CALAF
Os enigmas sao três, uma a vida!

A MULTIDÃO
Ao Príncipe extrangeiro
Ofereça a prova audaciosa,
Ó Turandot! Turandot!

TURANDOT
Extrangeiro, escuta:
"Na noite escura vôa um fantasma
Iluminado.
Sobe e abre as asas
Sobre a negra infinita humanidade.
Todo o mundo a invoca
E todo mundo a implora.
Mas o fantasma desaparece com a Aurora para renascer no
coração.
E cada noite nasce e cada dia morre!"

CALAF
Sim! Renasce! Renasce!
E em regozijo
Me leva consigo,
Turandot: "a esperança"!

SÁBIOS
(desenrolando o primeiro papiro)
A esperança! A esperança! A esperança!

TURANDOT
Sim, a esperança que engana sempre!
(Desce os degraus e para no meio da escadaria.)
"Brilha igual à chama e não é chama.
É às vezes delírio.
É febre de ímpeto e ardor!
A inércia o muda em langor.
Se te perdes ou goteja, se esfria.
Se sonhas a conquista, se inflama, se Inflama!
Tem uma voz que trêmulo escutas,
É do acaso o vívido clarão!"

IMPERADOR
Não te percas, extrangeiro!

A MULTIDÃO
É para a vida! Fala!
Não te percas, extrangeiro! Fala!
Fala! Fala! Fala!

LIÙ
É para o amor!

CALAF
Sim, Princesa!
Chameja e ao mesmo tempo enfraquece,
Se tu me olhas, na veia:
"O sangue!"

SÁBIOS
O sangue! O sangue! O sangue!

A MULTIDÃO
Coragem, decifrador de enigmas!

TURANDOT
(aos guardas, apontando para a multidão)
Espancai aqueles vis!
(Desce até o fim da escadaria. O Príncipe se ajoelha.)
"Gelo que te dá fogo
E do teu fogo
mais gelo toma!
Cândida e escura!
Se livre te quer
Te faz criado.
Se por criado te aceita,
Te faz Rei!"
Vamos, extrangeiro, te empalidece o Medo!
E te sentes perdido!
Vamos, extrangeiro, o gelo que dá fogo,
Que coisa é ?

CALAF
(lenvantando-se)
A minha vitória
Agora foi dada a mim!
O meu fogo te degela:
"Turandot"!

SÁBIOS
Turandot! Turandot! Turandot!

A MULTIDÃO
Turandot! Turandot!
Glória, glória, Ó vencedor!
Te sorri a vida!
Te sorri o amor!
Dez mil anos ao nosso Imperador!
Luz, Rei de todo o mundo!

TURANDOT
(que, transtornada voltou ao topo da escadaria)
Filho do Céu! Pai augusto! Não!
Não jogues tua filha nos braços
Do extrangeiro!

IMPERADOR
É sagrado o juramento!

TURANDOT
Não, não diga! Tua filha é sagrada!
Não podes dar-me a ele,
A ele como uma escrava.
Ah, não! Tua filha é sagrada!
Não podes dar-me a ele
Como uma escrava morrendo de Vergonha!
(ao Príncipe)
Não me olhes assim!
Tu que irritas ao meu orgulho,
Não me olhes assim!
Não serei tua!
Não, não, não serei tua!
Não quero, não quero!
Não, não, não serei tua!

IMPERADOR
É sagrado o juramento!

A MULTIDÃO
É sagrado o juramento!

TURANDOT
Não, não me olhes assim,
Não serei tua!

A MULTIDÃO
Venceu, Princesa!
Ofereceu por ti a vida!

TURANDOT
Nunca ninguém me terá!

A MULTIDÃO
Seja prêmio à sua coragem!
Ofereceu por ti a vida!
É sagrado o juramento!

TURANDOT
(ao Príncipe)
Me quer nos teus braços à força,
Relutante, fremente ?

A MULTIDÃO
É sagrado, é sagrado, é sagrado  o Juramento, é sagrado!

CALAF
Não, não, Princesa altiva.
Te quero toda ardente de amor!

A MULTIDÃO
Corajoso! Audaz!
Corajoso! Ó forte!

CALAF
Três enigmas me propôs
E três eu decifrei.
Um entretanto a ti proporei:
O meu nome não sabe.
Diga-me o meu nome.
Diga-me o meu nome.
Antes da manhã,
E pela manhã morrerei!
(Turandot anui com a cabeça)

IMPERADOR
O céu queira que com o primeiro sol
Meu filho tu sejas!
(A assembléia se ergue;  o Príncipe sobe os degraus.)

A MULTIDÃO
Aos teus pés nos prostamos,
Luz, Rei de todo o mundo!
Pela tua sabedoria, pela tua bondade
Nós damos a ti, alegres em humildade,
A ti suba o nosso amor!
Dez mil anos ao nosso Imperador!
A ti herdeiro de Hien-Wang
Nós gritamos:
Dez mil anos ao nosso Imperador!
Alto, alto a bandeira!
Glória a ti! Glória a ti!

Fim do Segundo Ato



ATO III

Cena 1 - O jardim do Palácio

É noite. À direita cinco degraus levam a um pavilhão,
prodigamente acortinado. Parando nos degraus, Calaf
escuta vozes distantes dos Arautos proclamando os éditos
reais pela cidade.

ARAUTOS
Assim ordena Turandot:
"Esta noite ninguém durma em Pequim!"

VOZES DISTANTES
Ninguém durma! Ninguém durma!

ARAUTOS
"Sob a pena de morte, o nome do Desconhecido seja
revelado antes da Manhã!"

VOZES DISTANTES
Pena de morte! Pena de morte!

ARAUTOS
"Esta noite ninguém durma em Pequim!"

VOZES DISTANTES
Ninguém durma! Ninguém durma!

CALAF
Ninguém durma! Ninguém durma!
Tu também, ó Princesa, na tua fria Alcova olhas as
estrelas que tremulam De amor e de esperança!
Mas o meu mistério está fechado comigo,
O meu nome ninguém saberá!
Não, não, sobre a tua boca o direi,
Quando a luz resplandescer!
E o meu beijo destruirá o silêncio que te Faz minha!

VOZES DE MULHERES
(distantes)
O seu nome ninguém saberá ...
E nós deveremos, ai de nós, morrer!
Morrer!

CALAF
Desvaneça, ó noite!
Desapareçam, estrelas!
Desapareçam, estrelas!
Pela manhã vencerei!
Vencerei! Vencerei!
(Na escuridão vultos, encabeçados pelos três Ministros,
aparecem entre os arbustos.)

PING
Tu que olhas as estrelas,
abaixe os olhos, abaixe os olhos!

PONG
A nossa vida está em seu poder!

PANG
A nossa vida!

PING
Ouvistes o edital ?
Pelas ruas de Pequim
A toda porta bate a morte
E grita: o nome!

PONG
O nome!

PONG, PANG
O nome!

PING, PONG, PANG
O sangue!

CALAF
Que querem de mim ?

PING
Diga tu o que quer! Diga tu o que quer!

PONG
Diga tu o que quer!

PING
É o amor que procuras ?

PANG
Diga tu o que quer!

PING
Diga tu o que quer!
(Calaf mantém-se obstinadamente mudo.)
Pois bem, tome!
(Empurra em direção do Príncipe um grupo de lindas
mocinhas, brejeiras e de trajes vaporosos.)
Olhe, são belas, são belas para luzentes véus!

PONG, PANG
Corpos flexuosos ...

PING
Toda embriaguez e promessa de abraços prodigiosos!

MULHERES
(rodeando o Príncipe)
Ah, ah! Ah, ah! Ah, ah! Ah, ah!

CALAF
Não! Não!

PONG, PANG
O que quer ?

PING, PONG, PANG
Riqueza! Todos os tesouros a ti!
A ti! ... A ti! ... A ti! ...
(A um sinal de PING, cestas, arcas e sacos de ouro e
jóias são trazidos.)

PING
Rompem a noite negra ...

PONG
Fogos azuis!

PING
... estas fulgidias gemas!

PANG
Verdes explendorosos!

PONG
Pálidos jacintos!

PANG
A chama vermelha dos rubis!

PING
São brincos dos astros!

PONG, PANG
Fogos azuis!

PING
Tome, é tudo teu!

PONG, PANG
Chama vermelha!

CALAF
Não! Nenhuma riqueza! Não!

PING, PONG, PANG
Quer a glória ?  Nós te faremos fugir ...

PONG, PANG
... e irás para longe com as estrelas
Para um império fabuloso!

A MULTIDÃO
Fuja! Fuja!
(Mulheres)
Vá para longe, vá para Longe!
(Todos)
Fuja, vá para longe, vá! Vá!, etc.
(Homens)
Vá para longe!
(Todos)
Fuja! Fuja! Vá para longe,
E nós todos nos salvamos!

CALAF
Manhã, venha! Que este pesadelo Desapareça!

PING
Extrangeiro, tu não sabes, tu não sabes
De que coisa é capaz a crueldade.

PING, PONG, PANG
Tu não sabes ...

PONG, PANG
... que horrendos martírios ...

PING
Tu não sabes! Tu não sabes!

PONG, PANG
... a China inventa.
Se tu ficas e não nos revela ...

PONG, PANG, OUTRAS PESSOAS
... o nome estamos perdidos ...

PING, OUTRAS PESSOAS
A insone não perdoa!
Nós estamos perdidos!
Será martírio horrível!

PING,PANG,PONG,ALGUNS HOMENS
Os ferros aguçam! Os hirtos rodam!

OUTRAS PESSOAS
Será martírio horrível!

PING, ALGUNS HOMENS
A mordida quente da tenaz!

PONG, PANG, OUTROS
A morte de gole em gole!

PING, A MULTIDÃO
Não nos faça morrer!

TODOS
Não nos faça morrer, não, não nos faça Morrer!

CALAF
Inútil súplica! Inútil ameaça!
Sacuda o mundo, quero Turandot!

A MULTIDÃO
(ameaçando o Príncipe com punhais.)
Não a terás! Não, não a terás!
Morrerá antes de nós!
Tu maldito!
Morrerá antes de nós,
Tu, desapiedado, cruel!
Fala, o nome, o nome, o nome!
Fala, fala, fala!
O nome! O nome!

SOLDADOS
(nos bastidores)
Eis o nome! Está aqui! Está aqui!
Eis o nome! Está aqui! Está aqui!

CALAF
Esses não sabem! Ignoram o meu nome!

PING
São o velho e a jovem
Que ontem à noite falavam contigo!

CALAF
Deixai-os!

PING
Conhecem o segredo!
(aos soldados)
Onde os pegou ?

SOLDADOS
Enquanto erravam lá, perto da muralha!

PING, PONG, PANG
Princesa!

TODOS
Princesa!
(Turandot aparece. Todos se prostram no chão. Somente
Ping se adianta para ela com grande humildade.)

PING
Princesa divina! O nome do Desconhecido está fechado
nestas bocas Silenciosas. E tenhamos ferro para abrir
Estes dentes e ganchos para arrancar Aquele nome!

TURANDOT
Estás pálido, extrangeiro!

CALAF
O teu temor vê a palidez da manhã sobre Meu rosto. Esses
não me conhecem!

TURANDOT
Veremos!
Vamos,  fala, velho!
Eu quero que ele fale!
O nome!
(Agarram Timur novamente - Liù corre para Turandot.)

LIÙ
O nome que procurais só eu sei!

A MULTIDÃO
A vida está salva, o pesadelo desaparece!

CALAF
Tu não sabes nada, escrava!

LIÙ
Eu sei o seu nome... me é suprema delícia Tê-lo em
segredo e possuí-lo eu só!

A MULTIDÃO
Seja amarrada! Seja torturada!
Para que fale! Para que morra!

CALAF
Vingarei as tuas lágrimas!
Vingarei os teus tormentos!

TURANDOT
(aos soldados)
Prendam-no!
(Um soldado amarra os pés do Príncipe e dois outros
seguram-lhe os braços.)

LIÙ
Senhor, não falarei!

PING
Qual é o nome!

LIÙ
Não

PING
Qual é o nome!

LIÙ
A tua criada pede perdão,
Mas obedecer não pode!
(Um soldado lhe torce  pulso.)
Ah!

TIMUR
Porque gritas ?

CALAF
Deixem-na!

LIÙ
Não ... não ... não grito mais!
Não me fazem mal!
Não, ninguém me toca.
(aos soldados)
Apertem-me ... mas tapem a minha boca
Que ela não grite!
(Desfalece.)
Não resisto mais!

A MULTIDÃO
Fale! O seu nome!

TURANDOT
(aos soldados)
Deixem-na!
(a Liù)
Fale!

LIÙ
Prefiro morrer!

TURANDOT
Quem pos tanta força no teu coração ?

LIÙ
Princesa, o amor!

TURANDOT
O amor ?

LIÙ
Tanto amor secreto, inconfessado,
Tão grande que estes sofrimentos
São doçuras para mim porque os faço
De presente a meu Senhor ...
Porque, calando, eu lhe dou, lhe dou o
Teu amor ... lhe dou, Princesa, e perco
Tudo! E perco tudo! Até a impossível
Esperança! Ata-me Tortura-me! Tormentos e soluços dai a
mim!
Ah! como oferta suprema
Do meu amor!

TURANDOT
Arranquem-lhe o segredo!

PING
Chamem Pu-Tin-Pao!

CALAF
Não malditos! Malditos!

A MULTIDÃO
O carrasco! O carrasco! O carrasco!

PING
Seja iniciada a tortura!

A MULTIDÃO
Para  tortura! Sim, o carrasco!
Fala! Para a tortura!
(Aparece o carrasco - Liù procura em vão passar pela
turba.)

LIÙ
Não resisto mais!
Tenho medo de mim!
Deixem-me passar!
Deixem-me passar!

A MULTIDÃO
Fala! Fala!

LIÙ
Sim, Princesa, escuta-me!
Tu que és de gelo,
De tanta chama vencida,
O amarás também tu!
Antes desta aurora,
Eu fecho cansada os olhos
Para que ele vença ainda ...
Para não .. para não vê-lo mais!
Antes desta aurora,
Eu fecho cansada os olhos,
Para não vê-lo mais!
(Arrebata de um soldado um punhal e o crava em si mesma.)

A MULTIDÃO
Fala! Fala!
O nome! O nome!
(Liù cambaleia em direção do Príncipe e cai morta a seus
pés.)

CALAF
Ah! Tu estás morta, tu estás morta,
Ó minha pequena Liù!

TIMUR
(ajelhando-se junto ao corpo de Liù)
Liù! Liù! Levante! Levante!
É a hora clara de tudo despertar!
É a manhã, ó minha Liù ...
Abra os olhos, pombinha!

PING
Levanta-te, velho! Está morta!

TIMUR
Ah! Delito horrível!
O espiaremos todos!
A alma ofendida,
A alma ofendida se vingará!

A MULTIDÃO
Sombra dolente, não nos faça mal!
Sombra desprezada, perdoa, perdoa!
Sombra dolente, etc.

TIMUR
Liù ... bondade! Liù ... doçura!
(Levantam o corpo de Liù e o carregam. Timur os
acompanha, segurando a mão da morta.)
Ah! Caminhemos juntos outra vez
Assim, com a tua mão na minha mão!
Onde vais bem sei. E eu te seguirei
Para repousar perto de ti
Na noite que não tem manhã!

PING
Ah! Pela primeira vez ...

PONG
Despertado está aqui dentro ...

PANG
Aquela jovem morta ...

PING
... ao ver a morte não sorrio!

PONG
... o velho mecanismo, o coração, e me Atormenta!

PANG
... pesa sobre o meu coração como uma
Rocha!

A MULTIDÃO
(lentamente acompanhando Timur e os que carregam o corpo
de Liù)
(Mulheres)
Liù, bondade, perdoa, perdoa!
(Todos)
Liù, bondade, Liù, doçura,
Durma! Esqueça!
Liù! Poesia!
(O Príncipe e Turandot ficam a sós, frente a frente.
Turandot está imóvel, o rosto coberto por um véu.)

CALAF
Princesa de morte!
Princesa de gelo!
Do teu trágico céu
Desça abaixo sobre a terra!
Ah! Levanta este véu!
Olha, olha, cruel,
Este puríssimo sangue
Que foi derramado por ti!
(Avança para ela e lhe rasga o véu.)

TURANDOT
Como ousas, extrangeiro!
Coisa humana não sou.
Sou a filha do Céu
Livre e pura. Tu
Arrancas o meu frio véu
Mas a alma está longe!

CALAF
A tua alma está no alto,
Mas o teu corpo está perto!
Com as mãos ardentes
Apertarei a borda de ouro
Do teu manto estrelado.
A minha boca fremente
Comprimirá sobre a tua ...

TURANDOT
Não me profanes!

CALAF
Ah! Sentir-te viva!

TURANDOT
Afaste-se!

CALAF
Ah! Sentir-te viva!

TURANDOT
Afaste-se!

CALAF
Ah! Sentir-te viva!

TURANDOT
Não me profanes! Não me profanes!

CALAF
O teu gelo é mentira!

TURANDOT
Afaste-se!

CALAF
É mentira!

TURANDOT
Não, ninguém me terá!

CALAF
Te quero minha!

TURANDOT
Da antepassada a tortura
Não se repetirá!

CALAF
Te quero minha!

TURANDOT
Não me toques, extrangeiro!
É um sacrilégio!

CALAF
Não, o teu beijo
Me dá a eternidade!

TURANDOT
Sacrilégio!
(O Príncipe abraça Turandot, desce com ela os degraus do
pavilhão e a beija apaixonadamente.)
Que será de mim ?
Perdida!

CALAF
Minha flor!
Oh! Minha flor da manhã!
Minha flor, te respiro!
Os seios teus de lírio ...
... ah! tremem sobre o meu peito!

VOZES DE MULHERES
Ah! ... Ah! ... Ah! ...

CALAF
Já te sinto desmaiar de doçura,
Toda branca no teu manto de prata!

TURANDOT
Como vencestes ?

CALAF
Choras ?

TURANDOT
É a manhã! É a manhã! ...
É a manhã! Turandot está no fim!

MENINOS
(nos bastidores)
A manhã! Luz e vida! Tudo é puro!
Tudo é santo! Que doçura no teu pranto!

HOMENS
(nos bastidores)
A manhã! Luz e vida! Princesa,
Que doçura no teu pranto!

CALAF
É a manhã! É a manhã! E amor... e amor
Nasce com o sol!

TURANDOT
Que ninguém me veja,
Minha glória acabou!

CALAF
Não! Ela começa!

TURANDOT
Vergonha sobre mim!

CALAF
Milagre! A tua glória
Resplandesce no encanto
Do primeiro beijo, do primeiro pranto!

TURANDOT
Do primeiro pranto ... Ah ...
Do primeiro pranto! Sim,
Extrangeiro, quando chegastes,
Com angústia senti
O arrepio fatal
Deste mal supremo.
Quantos tenho visto morrer por mim!
E os tenho desprezado; mas temi a ti!
Havia nos teus olhos
A luz dos heróis.
Havia nos teus olhos
A soberba certeza ...
E te odiei por isto ...
E por isto te tenho amado,
Atormentada e dividida
Entre dois tormentos iguais:
Vencer-te ou ser vencida ...
E vencida sou ... Ah! Vencida,
Mais que da alta prova,
Desta febre que vem de ti!

CALAF
És minha! Minha!

TURANDOT
Por isto, po isto peço-vos,
Agora o sabes.
Maior vitória não queira!
Parta, extrangeiro, com o teu mistério!

CALAF
O meu mistério ?
Não há mais! És minha!
Tu que tremes se te toco!
Tu que empalideces se te beijo
Pode perder-me se quer!
O meu nome e a vida juntos te dou.
Eu sou Calaf, filho de Timur!

TURANDOT
Sei o teu nome! Sei o teu nome!

CALAF
A minha glória é o teu abraço!

TURANDOT
Ouçam! Toquem as cornetas!

CALAF
A minha vida é o teu beijo!

TURANDOT
Eis! É a hora! É a hora da prova!

CALAF
Não a temo!

TURANDOT
Ah! Calaf, venha diante do povo comigo!

CALAF
Vencestes!
(O Imperador está de pé, rodeado por sua corte numa
escadaria alta no centro da cena. Enorme multidão forma
um amplo semicírculo em ambos os lados da praça.)

A MULTIDÃO
Dez mil anos ao nosso Imperador!

TURANDOT
Pai augusto,
Conheço o nome do extrangeiro!
(olhando direto para Calaf, que se acha na base da
escadaria)
O seu nome ... é Amor!

(Calaf sobe rapidamente os degraus e os namorados se
abraçam, enquanto a multidão se regozija e espalha
flores.)

A MULTIDÃO
Amor!
Ó sol! Vida! Eternidade!
Luz do mundo é amor!
Ri e canta no sol
A nossa infinita felicidade!
Glória a ti! Glória a ti! Glória!

FIM

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